domingo, 28 de dezembro de 2008

Cada porta, cada janela

por Lucas Cardim

Limeirinha é um bairro periférico em uma cidade minúscula numa das regiões mais pobres de um país da América Latina. No alto de um dos morros do bairro, avista-se meio mundo de casinhas com paredes descascadas e portas de madeira. Dentro de cada casa tem uma história, uma pessoa e uma vida que começa bem antes da porta ser aberta e se encerra bem depois das janelas se fecharem. Na casa 131, sentada com o cansaço de uma asma, Dona Salete, 54 anos, observa a rua vazia.

Veio parar em Limeirinha muito nova, nasceu em Igapó mas, de rebolada pelo mundo, parou dentro da Paraíba. A casa de Dona Salete é tão apertada quanto os seus pulmões. Em meio aos três cômodos, pilhas de sucata se amontoam esperando uma utilidade que não chega tão cedo. Radiolas Grundig, toca-fitas quebrados, pneus velhos, porta de carro e um sem mundo de lixo que, variando de um fogão azul enferrujado até a cabeça careca de uma boneca, incomodam os pouquíssimos espaços que sobram na casa. O cheiro de uréia é forte. Aos fundos, em um quintal de três metros quadrados, oito sacos abarrotados de plástico dividem espaço com o forno à lenha.

Maria Salete dos Santos acorda cedo, quando tem comida come um pão com café e sai pelos lixos da cidade de Picuí atrás de plástico. Cada pedaço de plástico demora em média 250 anos para desaparecer no ambiente mas ela sabe que, ou vai rápido, ou não encontra nada para catar. Em Picuí, caçar tambor -como dizem- é profissão concorrida que não remunera bem. No calor do sertão, enquanto frita suas retinas debaixo do sol, Dona Salete troca 10 quilos de plástico por um real e cinquenta centavos que podem dimuir dependendo da cotação do caminhão que vem comprar. Por mês, junta, sem fôlego, 20 sacos abarrotados. Cultiva um efizema de décadas de cigarros baratos, como o U.S., que custa 12 quilos de plástico o maço.

Dona Salete nunca foi ao colégio. Nem cresceu na roça. Passou a vida, desde que se entende por gente, trabalhando em meio ao sol, fazendo bicos no açougue em troca de mistura (carnes de terceira moídas), cortando lenha, lavando roupa, catando lixo. Cria um dos netos, Zé Pedro, ficando com vinte dos trinta reais que o bolsa família paga. Os outros dez reais ficam com a mãe do menino que toma conta de mais dois filhos e seus respectivos benefícios. Zé tem seis anos e a merenda do colégio faz diferença. Embora tenha no dia, Salete afirma que por vezes falta o que comer em casa. Zé Pedro não sabe ler nem escrever de verdade, desenha apenas nome mas não faz mal, é muito novo. Sua mãe, aos 20 anos, não desenha o nome. Nem escreve.

Dona Salete não deixa o neto faltar a escola nem quando ele está doente. O menino precisa estudar e comer. Cuscuz com leite, assinar o nome, são coisas que - embora paliativas para a alimentação e a educação - têm uma importância tão grande quanto inocente para um rosto marcado pela pobreza. Se ela é feliz, não responde, vai se arrumar para catar plásticos. Entra em casa, fecha a porta.

foto: Lucas Cardim


Picuí, Paraíba, Brasil. 17 de dezembro de 2008.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fotos da Caravana Selo UNICEF

por Sandokan Xavier

Veja as fotos tiradas por Sandokan Xavier em quatro cidades da Caravana Selo UNICEF:




Impressões

Por Caio Azevedo

Apitos, multidão, crianças, professores, autoridades, fogos, explosões, carro de som, "...está chegando a...", chuva, correria, tempo, sol, paralelepípedo, Colégio Pequeno Príncipe, Princelétrico, cachorro quente do Amigão, Novogás, Jadiel 14, canteiro de flores, canteiro de obras, Toyota, olhares, sandália de couro, velhos sentados conversando, crianças correndo, jovens conversando, cachorro latindo, adultos observando, Maria presentes, lan house W&W, casario, janelas abauladas, banda tocando, estrela de Davi, estrela de cinco pontas, pisca-pisca apagado, senhora na janela, mercadinho popular, mototáxi, salão do Carlos, Michael's center, concessionária Honda, Merla presentes, casa Santa Terezinha, carro de som parando, menino colocando cadeiras, pessoas sentando, praça Estácio Coimbra, lotada, casinha verde, Almeida e Nascimento Distribuidora, janelas e portas fechadas, havaiana na mão, grades cinzas, palanque, whisky, meninos espiando levantam o pano, pró jovem adolescente, camisa do Brasil, boné azul, vestido verde, mercadinho Cesta do Povo, lojinha Agapê, silêncio, rua vazia, carroça parada, estátua do padre Cícero, faixa de grande liquidação de calçados, Igreja beje, praça verde desbotada, grama rala, missões Frei Damião, farmácia, ponte, armazém Dom Bosco, lojinha de bicicletas, carroça andando, banquinhos, praça lotada, palhaço, "...quem está feliz, levante a mão...", atrações, dança, chafariz desligado, azul piscina, menina de óculos e magra molhando os pés na fonte, sandália prateada, pitó verde, bêbado do Sport, senhora de guarda chuva na mão, jovem de moicano, forró, discurso, "...pela segunda vez consecutiva...", Glamour Fashion, óculos aro tartaruga, vestido florido, calça jeans, "...suco gelado, cabelo arrepiado...", papai noel, Cinevideo locadora, sorveteria Sabor Melhor, Estrela turismo, casinha simpática, colorida, criança correndo, toca!, escola Turma da Mônica, luzes, "... é o A, é o B, é o C...", árvores com cal, coral terceira idade, churros, Menino correndo, pára, olha-me curioso, Renildo, nove anos, quarta série, quer ser motorista, tem enjôo no ônibus da Caruaruense, queimadura no braço assando castanha, a mãe vende doce, Outro menino toca nele, "não vale", "estuda onde?", "Sizinando", "como?", "Sizinando", "não entendi, como escreve?", "G-U-I...", "repete", "sei mais não", abaixa a cabeça, "vai brincar mais de toca, não?", "vou" e corre, "é quem?"

São Caitano, Pernambuco, Brasil. 11 de dezembro de 2008.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Igaci

por Camila Lima

Sol forte e longa caminhada para chegar à praça de Igaci. A banca marcial animava o percurso e era puxada por Lourenço. Ele marchava imponente. Sem parar. Posava para fotos e acenava para os conhecidos. Enquanto a banda fazia um intervalo, simpático e carinhoso, aproveitava para conversar com os amigos e beijar as amigas.

Lourenço afirma que suas matérias preferidas são português, matemática, estudos sociais, cultura brasileira, religião, ciências e geografia. As professoras dizem que ele é um bom aluno, seu “problema” é ser comunicativo demais. Conversa a aula inteira e admite, sorrindo, que falta muitas aulas, mas está sempre presente nos ensaios da banda. “Se ele não tiver, a banda não toca. Na verdade, não tem nem ensaio. Ele liga para todo mundo avisando que foi cancelado”, conta Rodrigo, o professor de música.

Lourenço tem 31 anos e faz a 5ª série do ensino fundamental. Estuda no Colégio Cenecista Monsenhor Macedo há 21 anos. Adora os amigos da escola. E fez questão de tirar foto com todos que estavam por perto. De um por um.

Lourenço é atencioso com as pessoas que conversam com ele e não descansa enquanto não descobre a resposta de uma pergunta que lhe fazem.

foto: Camila Lima


Igaci, Alagoas, Brasil. 10 de dezembro de 2008

Rua

por Lucas Cardim

A rua Frei Damião tem 40 casas, nenhuma curva e 29.866 pedras que se apertam até desembocarem no nada, de frente para a serra que separa Poço Dantas do Ceará. Perto do nada, quatro gerações de mulheres – inteligentes, bem humoradas e pobres – dividem o analfabetismo sistemático do nordeste brasileiro, causado pela pobreza e má qualidade do ensino. Ticinha, sorridente, revela que vai ao colégio diariamente mas não sabe ler aos oito anos. Tem aulas de português, matemática, ciências e geografia sem conseguir ao menos escrever a palavra educação. Sua família mora no sítio da Baixa Verde, localizado a três reais de moto ou cinco de carro. Como a comida lá é sempre a mesma, arroz e sardinha, prefere a casa da avó. Fim de ano a menina sempre vai com os sete irmãos ficar na cidade, tem almoço melhor na casa de dona Josefa.

Lúcia é a filha de Josefa. Largou a escola na sétima série mas nunca soube ler. "Desenho meu nome a pulso", confessa com um sorriso amarelo. Josefa nunca foi à escola, trabalhou plantando toda a vida até conseguir uma aposentadoria há pouco tempo. Na cama, cega aos 93 anos, repousa dona Izabel. A única escola que teve foi a roça, diz em voz quase muda.

Junto de Ticinha, suas duas irmãs mais novas, Taísa e Tamara, brincam pela casa. Tímidas, ainda são muito novas para frequentar a escola. Mais atrás, perto da praça, nas mesmas pedras da Rua Frei Damião, José Flávio Gomes de Freitas, sete anos, se diverte. Perguntado se sabe escrever, responde brabo: "Claro!". Atendendo o pedido, pega a caneta, escreve o nome e fala da escola e do PETI (Progama de Erradicação do Trabalho Infantil). Vai para o colégio de manhã, tem aulas de português e matemática. Ao PETI vai de tarde, joga bola, faz arte e resolve as tarefas da escola. Prefere o segundo, lógico, diz sorrindo com suas janelinhas. Cercado por amigos, todos querem dar seus autógrafos. Adoram brincar, freqüentam as aulas. Sabem, de fato, escrever. Sem que se pergunte mais, desfilam cálculos matemáticos simples como 3 + 5 = 8 e falam de novo do jogo de bola, das aulas de artes, das tias. É o lado bom das porcentagens, bem perto de Ticinha e sua família.

foto: Lucas Cardim


Poço Dantas, Paraíba, Brasil. 10 de dezembro de 2008.

Edvaldo e os Cremosinhos

por Caio Azevedo

Na Praça São Sebastião, em Bonito, uma tarde de quarta-feira avança. Idosos conversam nos banquinhos que a sombra das árvores protege; o comércio segue com o movimento sossegado; os ruídos dos carros se sobrepõem, por vezes, ao silêncio do vento; José Dias, 64 anos, externa sua revolta: o governo não paga a aposentadoria que ele merece, recebe apenas três salários mínimos quando deveria receber seis, já que, durante 34 anos e nove meses, contribuiu com esse valor para a Previdência; Edvaldo anda com sua carrocinha na tentativa de vender Cremosinho. O calor aumenta nos últimos meses do ano, é boa a época para vender sorvete de iogurte.

Ao passar de uma hora, a figura da praça muda: bandas começam a tocar, o carro de som da rádio local chama gente, pessoas se aglomeram frente à tenda onde haverá a entrega do selo do UNICEF e diversas apresentações. Edvaldo prospera, a venda de Cremosinho aumenta. Sol, gente e sorvete é uma combinação lucrativa.

Edvaldo é um rapaz de 14 anos, ou melhor, menino. Baixo, moreno e atento a possíveis clientes. Entrou no ramo de vendas de Cremosinho há duas semanas apenas. Antes, ajudava o pai em um sítio, refazendo sulcos para o inhame. No entanto, faz dois meses que o pai se separou de sua mãe e partiu para as bandas de Ribeirão. Foi para trabalhar com o pai que Edvaldo parou de estudar esse ano. Parou na sexta série, mas garante que volta a estudar próximo ano. Resolveu vender Cremosinho para ajudar a mãe e as duas irmãs mais novas. Seus dois irmãos mais velhos também trabalham para ajudar em casa. Um deles tem 17 anos, trabalha em Caruaru e continua a estudar a sétima ou oitava série. O outro tem 19, faz bicos em Bonito e parou de estudar na sexta série.

Edvaldo trabalha de sete a oito horas por dia e não ganha muito. “Tiro dez centavos de cada [Cremosinho]. Tem vezes que vendo a 60 centavos, aí tiro vinte”, afirma. Vende de 20 a 30 unidades por dia, ou até 40, em dias melhores. Fazendo as contas, no fim do dia, ele ajudou em casa com dois a quatro reais, ou quatro a oito Cremosinhos. Quando crescer, ele quer ser professor de luta. “Capoeira, caratê... ou muay thai, é assim né? Só não gosto de judô”. Porém, a escola de judô de Bonito se destaca: uma bonitense ganhou esse ano o campeonato Norte-Nordeste e o grupo se apresenta nessa tarde de quarta. "Não gosto desses agarra", diz Edvaldo, categórico. Já treinou dois meses de capoeira na escola, mas as aulas pararam por lá. Conheceu muay thai num filme, Ong Bak, e gostou. “Usa cotovelo e joelho mais, né? É legal”, comenta. Se não for professor de luta, ele pensa em ser cantor de brega e arroxa. Diz que canta bem. Se não canta, ao menos não vende mal. Durante nossa conversa, vendeu seis.

Bonito, Pernambuco, Brasil. 10 de dezembro de 2008.

Santarém

por Lucas Cardim

"A vida aqui é dura, de doer pé e mão", diz seu Norberto de Oliveira. Sentado na frente de uma pequena casa em Santarém, descansa. Trabalha todos os dias nas terras de Geraldo Pinto. Se tira três sacos de qualquer coisa, um vai para o dono das terras. Quando criança, era preciso plantar com os pais e irmãos, acabou nunca sentando em um banco para ler e escrever. Seu Norberto é mais feliz em época de chuva: tira feijão suficiente para todos da família, troca o milho que sobra por óleo e fósforo. Nas épocas de seca, não faz nada. Lembra depois que vez por outra o prefeito o chama para trabalhar nas casinhas, construindo. O aluguel de onde mora é de trinta reais, dá uma risada quando perguntado se come carne.

Próximo dali, seus dois filhos brincam na chuva. Chutam a água que desce rápido a ladeira de paralelepípedos. O mais velho sabe mais ler que escrever, o mais novo – aos 8 anos – nem isso. Seu Norberto observa os meninos. Se vão ter uma vida melhor que a do pai, diz não saber. Por enquanto, pés e mãos, seguem brincando na chuva.

foto: Sandokan Xavier


Santarém, Paraíba, Brasil. 10 de dezembro de 2008.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Correntes

por Camila Lima


foto: Camila Lima


O município de Correntes, em Pernambuco, tem a promessa de ganhar mais um grande vaqueiro nos próximos anos. Com chapéu de couro na cabeça, blusa de botão e calça jeans, João Vitor observava o movimento sentado sobre um muro. Mesmo simpático, nos primeiros instantes de conversa demonstrou timidez. Desviava o olhar enquanto falava e, meio envergonhado, abria um sorriso doce, mostrando os espaços dos dentes que ainda lhe faltam. Ele só tem oito anos e já possui uma boa experiência na carreira que quer seguir. Pretende ser vaqueiro, como o pai.

Desde os três anos se “embrenha no meio do mato” para aprender a arte de resgatar os bois. Nos primeiros anos, andava amarrado à sela do cavalo e precisava voltar cedo para tomar o leite. Hoje, tem autonomia e acompanha, diariamente, o pai nas jornadas pelos municípios próximos. Ele ainda não pode ir para muito longe, pois vai à escola todos os dias. João Vitor é inteligente e demonstra ter talento, também, para a matemática.

O município em que o vaqueirinho mora tem investido significativamente na educação. Nos últimos anos, mais alunos frenqüentam a escola, conseguem terminar o ensino fundamental na idade esperada e alcançam a série ideal para as suas idades. Correntes também conseguiu avanços na saúde. Entre eles, a diminuição das taxas de mortalidade infantil e desnutrição e o maior atendimento às mulheres grávidas. A Caravana UNICEF foi ao município entregar o Selo Município Aprovado como forma de reconhecimento à melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes. Houve festa, com apresentações da Banda Marcial e de um maracatu e desfile das escolas municipais.

João Vitor é mais uma criança beneficida pelas ações, desenvolvidas em Correntes, para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes. Provavelmente ele não sabia de nada disso, nem mesmo da festa. Estava sentado no muro apenas esperando o pai. Quando o mestre chegou, João segurou a mão dele e seguiu para mais uma jornada no sítio, sem parar para ver a festa.

Correntes, Pernambuco, Brasil. 09 de dezembro de 2008.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Casinhas de duas mães

Por Caio Azevedo

Há onze anos, Casinhas é município. Antes, era um distrito de Surubim. Há onze anos, nascia uma das filhas de Maria Joelma. Tímida, ela se esconde atrás da mãe. Não responde a nenhuma das minhas perguntas. Tímida, a mãe responde. Não tem atrás de quem se esconder. Atrás dela, outras duas meninas também se escondem, uma de quatro e outra de oito anos. De dentro dela, outra criança nascerá daqui a cinco meses. Maria Joelma é baixa, tem o cabelo crespo queimado pelo sol e vive em um dos diversos sítios da zona rural de Casinhas. Seus olhos grandes e esquivos respondem melhor às perguntas do que a fala monossilábica e embargada pela vergonha. É dona de casa e seu marido é agricultor. As meninas puxaram aos olhos e à altura da mãe e o cabelo, do sol. Enquanto as mais velhas frequentam a escola, a mais nova frequenta o programa de complementação escolar para crianças de três a seis anos, o BINF. Juntas, elas vieram acompanhar a solenidade de entrega do selo UNICEF numa Toyota Bandeirante, meio de transporte mais comum da região.

Em outra Toyota, veio também Zumira, 59 anos. Como Maria Joelma, ela é baixa, dona de casa, mora na zona rural, seu marido é agricultor e tem quatro filhos. Diferente de Maria Joelma, Zumira é aposentada, seus olhos são menores, sua boca é curvada sempre para baixo, está sozinha e não veio acompanhar a solenidade do selo. Zumira veio ao posto de saúde da cidade. O de seu distrito está sem médico há seis meses. Ela acompanha a solenidade porque está esperando que a Toyota volte para lá. Não sabia que o transporte ia esperar a festa acabar. Seus filhos não a acompanham: dois estão em São Paulo, trabalhando em restaurantes; uma é enfermeira em Caruaru e a última terminou o magistério e está desempregada, casada e grávida de sete meses. Vive do salário maternidade. O marido ganha pouco como cobrador de uma Toyota Bandeirante, meio de transporte mais comum da região.

Casinhas, Pernambuco, Brasil. 08 de dezembro de 2008.

Desejos em Chã de Alegria

por Caio Azevedo

Jaiurte tem 14 anos e desejos. É um rapaz alto, inteligente, atencioso e tem um sorriso tímido que revela seus dentes com aparelho de borrachas brancas e vermelhas. Leva no peito um pequeno colar com o escudo do time de São Paulo. Talvez esse seja o motivo de seu riso: seu time é recém-campeão. Ele mora em Chã de Aldeia, um dos muitos sítios, ou distritos, do município de Chã de Alegria e veio à cidade para acompanhar a caminhada da caravana do selo UNICEF. “Eu não sei direito o que é, lá na escola eles disseram que a cidade ia receber o selo e que isso era bom”. Sua prova de história teve de esperar um dia. Cursa primeiro ano do ensino médio no PETI (Programa de Erradicação de Trabalho Infantil), implantado há dez anos em Chã de Alegria. Lá, Jaiurte aprende a tocar flauta, tem aulas de arte, pintura e esportes. Infelizmente, essa não é a realidade de todos os jovens do local: a região tem muita cana-de-açúcar e, quando a mão de obra é escassa, crianças aprendem cedo a manejar o facão. Jaiurte garante que esse número diminuiu muito, mas ainda existe. “As famílias que têm filhos na escola recebem Bolsa Família, isso ajuda muito”, afirma.

Jaiurte quer que o São Paulo seja campeão novamente, terminar o ensino médio e cursar Direito. Onde? “Não sei, isso eu penso depois”, responde se esquivando. Kelly, 13, Gerlane, 14, e Simony, 13, também estudam no PETI e jogam handebol há pouco mais de um mês. Que pensam do futuro? “Quero continuar a jogar handebol. A gente já ganhou de seis a um“, responde Gerlane. Pensar no futuro é sempre complicado, mas esses meninos afirmam não quererem sair de Chã de Alegria.

Mesmo a contragosto, sair foi o destino de Rosário. Mulher batalhadora, sua pele parece ter mais do que os 43 anos indicados em sua identidade. Nascida e criada em Chã de Alegria, Rosário partiu para São Paulo há 19 anos, porém, não torce pelo time que leva o nome do Estado. “Fui para lá com meu marido e meus dois filhos, um menino e uma menina. Não tive opção, aqui não tinha trabalho”. Rosário trabalha na área de higiene hospitalar de uma clínica em São José dos Campos. Chegou a Chã de Alegria dia três desse mês com seu filho para passar o fim de ano com a mãe, uma senhora cega de 78 anos. O que Rosário pensa do futuro? “Quando eu me aposentar, volto pra morar em Chã. Aqui é lugar pra morar, apesar dos problemas”. Para isso, ela vai ter de esperar 14 anos.

Chã de Alegria, Pernambuco, Brasil. 08 de dezembro de 2008.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Onze anos

por Lucas Cardim

Na quadra esportiva da cidade de Remígio, mais de mil pessoas, cidadãos, celebram com razão os avanços da cidade na educação. Entre índices de abandono escolar, número de crianças entre 4 e 5 anos na escola, adolescentes que concluíram o ensino médio e distorção entre idade e série, todos os percentuais reduziram ou aumentaram de maneira positiva para a cidade. Longe dos números e das letras, uma pessoa com nome e rosto observa as apresentações.

Onze anos, mãos ásperas, pés sujos e lábios rachados pelo sol, observa maravilhado uma festa da qual não faz parte. Questionado se estuda, Onze anos afirma com a cabeça que sim, os lábios cortados incomodam. Diz nervoso ter saído do colégio aos sete e voltado há um ano e meio, gagueja e não sabe dizer o nome da escola nem nomes de professoras. Onze anos está cansado, acordou às cinco da manhã, deu comida aos cavalos e veio andando, cerca de dois quilômetros, até a cidade. Envergonhado pelos olhares alheios enquanto senta na arquibancada, intimidado pelas perguntas, salga os olhos. Acorda com frio, Fazenda Capim Dourado, trata cavalos, passa a manhã e parte da tarde trabalhando pesado. Onze anos é mais baixo que os meninos de sua idade, em sua cabeça um boné estampa a palavra Cowboy, muito embora não saiba ler nem escrever em português e sejam os cavalos que o tomam a infância. O menino, de rosto cansado, volta a prestar atenção na festa.

Remígio merece comemorar. Quase triplicou o percentual de jovens com ensino fundamental completo, de 7,7 para 22,6%, reduziu a distorção idade série de 55,1 para 17,4 % e baixou para 9,2% a taxa de abandono escolar na rede municipal. De fato, não é um avanço pequeno e isso faz muita diferença para milhares de crianças na escola. Outras, infelizmente, apenas envelhecem.

foto: Sandokan Xavier


Remígio, Paraíba, Brasil. 05 de Dezembro de 2008.

Ednaldo e os feijões

por Lucas Cardim

foto: Sandokan Xavier


Na rua seca e esbranquiçada pelo sol a pino, um menino de um metro e trinta, sem camisa e queimado pelo tempo, corre em brincadeiras completamente alheio à festa da cidade. Calção azul fuleiro, pés nus em direção à sua pequena casa de cal, miúda, um quarto, meia sala e três irmãs. Ednaldo de Lima Silva, sorriso divido entre as janelas e cáries, apresenta a sua família. Sentada em um sofá rasgado, Dona Edileuza cata feijões para o almoço dos filhos. Tem 28 anos, bochechas grandes, pele morena acentuada pelo sol e uma vida – a julgar pelos parâmetros das classes médias e altas do Brasil e parte do mundo– impossível. Seu Marido, seu Josinaldo, trabalha em um pequeno roçado, planta batata, coentro e milho. O roçado é pouco, a renda da família é de 20 reais por semana e o dinheiro acaba rápido para comprar comida e carvão.

Dona Edileuza já passou fome em dias de seca, não sabe ler nem escrever e seu corpo é mais envelhecido que a idade devido a anos de trabalho infantil, jovem e adulto. Seus filhos, ainda que não tenham brinquedos, possuam cáries , pés descalços e roupas velhas, frequentam a escola . Ao ver seu nome em letras rápidas no bloco de anotações, a pequena Luana, de dez anos, rapidamente corrige a letra feia de quem escreve, afirmando que seu nome é de Lima e não di Lima, como sugerem os garranchos. Alfabetizada, inteligente, Luana lancha na escola diariamente, gosta de português, mostra os cadernos no único quarto que a família tem para dormir. Sua irmã Lidiane, 8 anos e cabelos ao céu, também já sabe ler e escrever, cursa a segunda série, uma a mais que Ednaldo, às voltas pela casa com o galo que a família cria para vender. Dona Edileuza encerra os feijões no sofá rasgado, no seu colo, a caçula Michele sorri. Entrará na escola no próximo ano, assegurando à sua casa a manutenção do bolsa família, 120 reais que, infelizmente, estão longe de ser dispensáveis. As crianças brincam, se despedem apertadas na janela da pequena casa de cal. Sorridente, o alfabetizado Ednaldo almoçará feijões.

Rua Belo Jardim n. 40, Esperança, Paraíba, Brasil. 05 de dezembro de 2008.

O Bom Velho do Jardim

por Caio Azevedo

A Caravana do Selo UNICEF chega pela primeira vez à Bom Jardim. Foi preparada uma grande caminhada pelas ruas da cidade. Muitos ficam curiosos com o desfile de diversas bandas, formadas, sobretudo, por jovens. Um senhor bem idoso caminha lentamente com ajuda de uma bengala. Pára e fica observando a movimentação. Suas rugas, seu olhar calmo, sua bengala rústica, sua camisa listrada de botão e seu chapéu preto impõem um humilde respeito a quem o vê. Tem 92 anos, nasceu em Casinhas, morou em Surubim, em Orobó e se fixou em Bom Jardim há 48 anos. Pergunto a ele: “O senhor sabe o que tá acontecendo?”. “Não”, responde. “É a caravana do Selo UNICEF. Bom Jardim ganhou pela primeira vez”. “Tô sabendo agora. Isso é bom, né?”, comenta, com um riso. Tem 92 anos, nasceu em Casinhas, morou em Surubim, Orobó e se fixou em Bom Jardim há 48 anos. Sempre morou na mesma casa. “A cidade cresceu muito. Quando eu vim morar aqui, não tinha essa ponte, essas casas todas”. Hoje, Bom Jardim tem perto de 40 mil habitantes. "Nasci em 16 e nunca ninguém bateu na minha porta pra cobrar nada: 'o senhor está devendo tanto... nunca", fala com nobreza. "Aprendi com meu avô a não dever nada a ninguém".

As transformações das cidades estão sempre nas lembranças dos mais velhos. Fala das enchentes que existia quando não havia calçamento, da forma como as pessoas se vestiam, das brincadeiras, do trabalho, da família. “Tive treze filhos. Criei cinco. Num ano só, tive três filhos, dois gêmeos e uma menina. Morreram os três”. Mortalidade infantil é um problema que ainda atormenta Bom Jardim e o Estado: Pernambuco tem o segundo maior índice de mortalidade infantil do país. No entanto, os programas de Saúde da Família, de erradicação da mortalidade infantil surtem efeitos positivos. Já não há um abismo tão grande entre os verbos ter e criar. “Graças a Deus”, afirma o idoso, feliz porque, ao menos, seus cinco filhos criados estão bem de vida. Mora com uma delas, professora, os outros moram fora, mas sempre visitam quando podem.

Pergunto seu nome, ele pede a caneta e o papel. Diferente de hoje, frequentar uma escola não era para a maioria em sua época. “Eu estudei sim, mas sempre fui de trabalhar, até hoje nunca deixei”. Sempre na roça, com plantação e gado. Vender leite foi a principal forma de sustento. Mostra a mão esquerda com calos que parecem ter nascido nela. A outra mão escreve torto de forma certa:



Bom Jardim, Pernambuco, Brasil. 05 de dezembro de 2008.

Taquarana

por Camila Lima

foto: Camila Lima


Maria Aparecida dos Santos tem apenas dezessete anos e está grávida de seis meses. Está casada há um ano e conta que engravidou por opção. Na escola em que estudou teve acesso a informações sobre o uso de preservativos e métodos anti-conceptivos. Abandonou a escola antes de terminar o ensino médio, mas planeja voltar.
A boa notícia é que ela teve atendimento pré-natal durante todo o período da gestação. Maria Aparecida mora em Taquarana, município alagoano que uniu esforços para melhorar a qualidade de vida de mães e crianças. Na cidade, apenas 32,6% das mulheres grávidas têm sete ou mais atendimentos pré-natal, mas o número de adolescentes grávidas já diminuiu nos últimos dois anos. Outro dado positivo foi o aumento do percentual de adolescentes de 14 a 15 anos com ensino fundamental concluído, o percentual aumentou de 6% para 37,2%.

foto: Camila Lima


Seu José Silva dos Santos é um homem tímido de 57 anos. Nasceu em Boca da Mata, município próximo a Taquarana. Assim como tantos moradores do semi-árido brasileiro, trabalha desde criança na roça. Afirma ter uma vida boa, só reclama da falta de água e da qualidade dos atendimentos nos postos de saúde. De acordo com ele, quando seus dentes nasceram, ele já trabalhava na roça. Cresceu sem pai, contando apenas com o apoio da mãe que também era trabalhadora rural.
Felizmente, em Taquarana, as histórias dos moradores mais novos têm sido diferente. Com apoio do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), mais meninos e meninas passaram a freqüentar as escolas e a participar de ações esportivas, artísticas e culturais. Para substituir a renda que essas crianças traziam para casa, o governo federal dá às famílias um auxílio financeiro. Na comemoração da conquista do Selo UNICEF, o grupo Coco de Roda Comunidade Mameluco – uma das ações do PETI – fez uma apresentação e mostrou um pouco do que tem sido produzido em Taquarana. O grupo é formado por mais de vinte adolescentes que aprenderam a tocar e a dançar coco.

foto: Camila Lima

Mirelly Geraldo Santos não gosta de dançar, mas toca atabaque há três meses

Taquarana, Alagoas, Brasil. 05 de dezembro de 2008.

A música de Orobó

por Caio Azevedo.

Na entrada de Orobó, próximo a uma placa branca de letras azuis com o nome da cidade, uma banda marcial de uniforme azul, com tambores, pratos e estandarte de uma escola municipal local dá início ao desfile. O motivo é a caravana do selo UNICEF. Porém, a cidade já estava em clima de festa. As celebrações da padroeira da cidade ocorriam desde o fim de novembro. O desfile sobe a ladeira e, no caminho, outras bandas semelhantes entram na comitiva. Tudo muito organizado: quando uma banda começa a tocar em uma curva ou na entrada de uma rua, a anterior pára. Em seguida, voltam a tocar juntas. O calor é grande, já passa do meio-dia. Josefa, senhora de 70 anos de olhar cansado, vê a passagem das bandas com uma sombrinha para se proteger do sol. “Coitada das crianças de andar nesse sol... Já tão crescidinhas, dá pra queimar as banhas”, comenta. “Tá na Bíblia, Eclesiastes, fizeram o homem reto, mas ele é cheio de invenção”.

O desfile atravessa o centro da cidade e finaliza na quadra da escola Paulo Freire. É difícil contar quantas bandas concluíram o desfile. No entanto, é fácil descobrir: Orobó tem dezessete bandas marciais. Valdenice, secretária de educação e desportos do município, é a responsável por essa profusão. Ela adora as bandas e incentiva a criação delas na cidade. Mariele, 13 anos, menina loura que carrega o estandarte com os dizeres “Orobó – Bicampeão Selo Unicef”, gosta dos conjuntos. “Quase toda escola tem uma.”

Contudo, não é só de música que a banda toca. Josefa Duarte, 58 anos e moradora de Orobó a 34, é uma agente comunitária do Programa de Saúde da Família. É na área da saúde que Orobó se destaca: o acompanhamento feito a gestantes e crianças com programas de pré-natal e vacinação é exemplar. “A cidade é muito privilegiada nessa parte, até apareceu no Jornal Nacional”, afirma Josefa. Porém, não é o caso de achar que Orobó são apenas flores. “Ainda tem muito o que melhorar”, completa a agente. O caminho é certo, basta seguir o nome da cidade: Orobó deriva de Orimboi, que significa “nós ensinamos a ele”. O "ele", nesse caso, podem ser as crianças e o "ensinar" pode ser também cuidar. Oxalá as bandas continuem a tocar no mesmo tom.

Orobó, Pernambuco, Brasil. 05 de dezembro de 2008.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Riacho de Santo Antônio, Marconi

por Lucas Cardim

foto: Lucas Cardim


Marconi Silva Farias. Seis anos, dentes separados e um sorriso tão igual quanto particular a qualquer criança da sua idade. Faz pré-alfa, gosta de jogar bola e brinca bem mais do que arenga. Marconi faz parte de uma geração que, embora pareça comum, teve acesso a alguns direitos antes de nascer: em Riacho de Santo Antônio, seja baixa, mal humorada, magra, estrábica ou solteira, a maioria das grávidas tem acesso ao pré-natal. Ao menos uma vez por mês, elas realizam exames de pressão e sangue, além de terem conversas direcionadas com enfermeiras e médicos para tratar de temas como parto humanizado, dietas, amamentação e uma outra série de assuntos que, se ninguém ensinar, fica impossível descobrir.

Quando nasceu, Marconi foi parar em Campina Grande, onde nascem todos os bebês encontrados em todos os colos de mãe de Riacho. Os partos, naturais ou não, são devidamente programados, agendados e paridos na grande vizinha. Não dá tempo para reclamar muito, Riacho de Santo Antônio é um município pobre no sertão da Paraíba, possui 1600 habitantes e ainda não tem um posto de saúde estruturado para realizar partos. O que pode-se fazer, então, é investir o máximo que é possível em uma gestação sem complicações. A segurança dos nascimentos de seus habitantes, embora todos saibam que seria bem melhor ter uma maternidade, é garantida portanto bem antes, em cada consulta de cada mãe ao longo de nove meses. Funciona bem.

Marconi dá tchau, segura a mão da sua mãe acompanhado do irmão mais novo, Pedrinho. Ao longo de 10 metros, passa por outras três crianças.

foto: Lucas Cardim
Crianças em Riacho de Santo Antônio

Riacho de Santo Antônio, Paraíba, Brasil. 04 de dezembro de 2008.

Boqueirão

por Lucas Cardim

foto: Lucas Cardim


Na caçamba de um caminhão indevidamente adaptado como transporte escolar, seis adolescentes conversam alto. Ralyson Morais de Moura, José Carlos Lima, Adryanne Dannyele Macedo, Jefferson José Galdino, Maria de Fátima Martins da Silva e Yolanda Lúcia de Oliveira não trabalham, se ocupam basicamente de ir ao colégio pela tarde e estudar ou se divertir nos horários que sobram, o que inclui algumas aulas vagas. Moram todos na região do Sangradouro, distante 21 quilômetros da escola. O lugar tem esse nome devido a um açude que sangra próximo, costuma deixar as ruas enlameadas, difícil para andar.

Em Boqueirão, transporte escolar – ainda que irregular – é algo extremamente presente e tão essencial para a educação quanto os próprios professores. Todos os alunos matriculados em escolas municipais e estaduais, que não moram próximo o suficiente para irem andando, têm acesso aos caminhões. Entre a ignorância e o perigo, o perigo.

Os seis estudantes da caçamba de caminhão continuam todos no colégio desde os cinco anos. Entre aspirações a uma profissão qualificada, também dão uma resposta ao esforço dos pais e mães. Alguns deles só estudaram até a alfabetização, nenhum foi além da segunda série. Pararam para trabalhar, coisa que fazem até hoje e não desejam tal interrupção para os filhos. O que ajuda, independente do uso político que algumas prefeituras e governos no interior do nordeste fazem, é que todos recebem o bolsa família para manterem os filhos na escola. O dinheiro não é dado, vem dos bilhões de reais que o governo federal arrecada em impostos todos os anos. Quanto aos pais dos seis adolescentes, todos trabalham honestamente, colhem pimentões, plantam verduras ou exercem outras atividades rurais. Seus filhos poderão completar os estudos. A expectativa é que a qualidade de ensino acompanhe, ainda nessa geração, todo esse tempo investido.

Boqueirão, Paraíba, Brasil. 04 de dezembro de 2008.

Coruripe

por Camila Lima

Quem não acompanhou a caminhada até o palco, onde foram entregues os certificados do Selo UNICEF, ficou na porta observando o movimento. Idosos, adultos e crianças deram sua contribuição para que a comemoração ficasse ainda mais animada. Seu João Oliveira é marceneiro aposentado e tem 84 anos. Ele não sabia que Coruripe havia conquistado o Selo UNICEF, mas achou a festa bonita e quis participar. Observou com atenção o desfile da Banca Marcial, das crianças das escolas municipais e do time de futebol Pequenos Talentos.
As irmãs Elizete e Inaura de Jesus, de 56 e 78 anos, estavam orgulhosas com a conquista do Selo. Filhas do educador Manoel Cecílio de Jesus, demonstraram entusiasmo com avanços do município, especialmente na área da educação. Em Coruripe, a distorção idade-série no ensino fundamental diminui bastante, enquanto o número de adolescentes com ensino fundamental concluído aumentou.
Já Maria Simone Ferreira conhecia bem os motivos das comemorações na área da saúde. Ela está grávida há oito meses e tem atendimentos pré-natal no posto de saúde do seu próprio bairro. Além da ampliação do atendimento às mulheres grávidas, Coruripe se destacou pela cobertura do Programa Saúde da Família (PSF).
Apesar das dificuldades, os profissionais da saúde também comemoraram os avanços na área. A auxiliar de enfermagem Josenilda Silva afirmou que "com o PSF o atendimento à população melhorou nos últimos anos, mas faltam medicamentos e os programas de controle a diabetes e a hipertensão, por exemplo, ainda são fracos”. Josenilda espera que a conquista do Selo UNICEF seja vista como estímulo para o um maior desenvolvimento da saúde e educação da cidade.


Coruripe, Alagoas, Brasil. 04 de dezembro de 2008.

Flexeiras

por Camila Lima



foto: Camila Lima


Para apresentar as expressões culturais valeu todo tipo de esforço. A rainha da bateria da Banda Marcial tem apenas 8 anos e, apesar do sol forte, não parou de dançar um minuto. Laís Carolina Sabino foi rainha do milho várias vezes nas escolas em que estudou e chegou a fazer abertura de cerimônia de formatura. De acordo com a sua avó, Maria Luiza da Silva, Laís se destaca na dança por ter pique de gente grande. Ela é conhecida nos municípios vizinhos em que a banda já tocou e serve de inspiração para outras crianças.
Já as meninas do grupo de dança, que apresentaram uma coreografia para uma música da banda baiana Timbalada, utilizaram lençóis, cangas de praia e até toalhas de mesa para compor a indumentária. Os obstáculos, no entanto, não diminuíram a empolgação. Elas estavam maquiadas e eufóricas. Não só as meninas da dança, mas o município como um todo tinha motivos para comemorar. Flexeiras alcançou, nos últimos anos, avanços significativos em prol da qualidade vida das crianças e adolescentes. Os números de mulheres grávidas com atendimentos pré-natal e de adolescentes de 14 a 15 anos com o ensino fundamental concluído aumentaram, enquanto a quantidade de crianças desnutridas e a taxa de mortalidade de jovens por causas externas diminuíram.
O professor de capoeira José Carlos, conhecido como mestre Mô, também falou das dificuldades que seu grupo enfrenta, mas ressaltou a alegria de participar da festa da entrega do Selo UNICEF e pediu mais apoio da prefeitura. "A gente faz as apresentações com o maior prazer, mas precisamos que a prefeitura chegue mais junto da capoeira. As mães dos meninnos não têm condições de ajudar". Ele lamentou que a sua turma, com mais quarenta alunos, não estivesse completa na apresentação. A maioria dos jovens não possuía abadá – a roupa apropriada para jogar capoeira, e por isso não compareceu. Mestre Mô dá aulas na cidade há oito anos sem receber remuneração. “Os meninos não têm dinheiro para pagar e eu não deixo de dar aulas por isso, mas também não tenho dinheiro para comprar instrumentos ou abadás para eles”, conta.
Flexeiras tem investido em ações relacionadas aos esportes e à cidadania - recentemente, foi construído um ginásio para abrigar as práticas esportivas, mas existe a necessidade mais apoio tanto nessa área e como na de cultura. O entusiasmo dos alunos e professores é visível, no entanto eles dependem de mais investimentos para que seus trabalhos sejam ampliados.


foto: Camila Lima


Grupo de dança “Timbalada”

Flexeiras, Alagoas, Brasil. 04 de dezembro de 2008.