quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Edvaldo e os Cremosinhos

por Caio Azevedo

Na Praça São Sebastião, em Bonito, uma tarde de quarta-feira avança. Idosos conversam nos banquinhos que a sombra das árvores protege; o comércio segue com o movimento sossegado; os ruídos dos carros se sobrepõem, por vezes, ao silêncio do vento; José Dias, 64 anos, externa sua revolta: o governo não paga a aposentadoria que ele merece, recebe apenas três salários mínimos quando deveria receber seis, já que, durante 34 anos e nove meses, contribuiu com esse valor para a Previdência; Edvaldo anda com sua carrocinha na tentativa de vender Cremosinho. O calor aumenta nos últimos meses do ano, é boa a época para vender sorvete de iogurte.

Ao passar de uma hora, a figura da praça muda: bandas começam a tocar, o carro de som da rádio local chama gente, pessoas se aglomeram frente à tenda onde haverá a entrega do selo do UNICEF e diversas apresentações. Edvaldo prospera, a venda de Cremosinho aumenta. Sol, gente e sorvete é uma combinação lucrativa.

Edvaldo é um rapaz de 14 anos, ou melhor, menino. Baixo, moreno e atento a possíveis clientes. Entrou no ramo de vendas de Cremosinho há duas semanas apenas. Antes, ajudava o pai em um sítio, refazendo sulcos para o inhame. No entanto, faz dois meses que o pai se separou de sua mãe e partiu para as bandas de Ribeirão. Foi para trabalhar com o pai que Edvaldo parou de estudar esse ano. Parou na sexta série, mas garante que volta a estudar próximo ano. Resolveu vender Cremosinho para ajudar a mãe e as duas irmãs mais novas. Seus dois irmãos mais velhos também trabalham para ajudar em casa. Um deles tem 17 anos, trabalha em Caruaru e continua a estudar a sétima ou oitava série. O outro tem 19, faz bicos em Bonito e parou de estudar na sexta série.

Edvaldo trabalha de sete a oito horas por dia e não ganha muito. “Tiro dez centavos de cada [Cremosinho]. Tem vezes que vendo a 60 centavos, aí tiro vinte”, afirma. Vende de 20 a 30 unidades por dia, ou até 40, em dias melhores. Fazendo as contas, no fim do dia, ele ajudou em casa com dois a quatro reais, ou quatro a oito Cremosinhos. Quando crescer, ele quer ser professor de luta. “Capoeira, caratê... ou muay thai, é assim né? Só não gosto de judô”. Porém, a escola de judô de Bonito se destaca: uma bonitense ganhou esse ano o campeonato Norte-Nordeste e o grupo se apresenta nessa tarde de quarta. "Não gosto desses agarra", diz Edvaldo, categórico. Já treinou dois meses de capoeira na escola, mas as aulas pararam por lá. Conheceu muay thai num filme, Ong Bak, e gostou. “Usa cotovelo e joelho mais, né? É legal”, comenta. Se não for professor de luta, ele pensa em ser cantor de brega e arroxa. Diz que canta bem. Se não canta, ao menos não vende mal. Durante nossa conversa, vendeu seis.

Bonito, Pernambuco, Brasil. 10 de dezembro de 2008.